Para o colunista e especialista em crime organizado internacional, Wálter Maierovitch, não há discussão sobre o tráfico de armas no Brasil e a origem do armamento do crime, enquanto não entendermos que fazemos parte de uma conjuntura mundial liderada pelas máfias transnacionais que abastecem todos os conflitos armados no planeta: desde os revoltos líbios até os narcotraficantes cariocas. “O que interessa é que o crime organizado tem armas e consegue as armas que quiser”.
Na entrevista à CartaCapital, o jurista traça um panorama sobre o tráfico internacional de armas, a política de segurança pública e criminal nativa e a ineficiência do controle do comércio de armas local.
CartaCapital: Como você vê a questão das armas no Brasil e no mundo?
Walter Maierovitch: A primeira imagem que me vêm quando falamos sobre a questão das armas, é um filme em que o saudoso Alberto Sordi fazia o papel de traficante de armas. Esse filme é de 1974. Ele saia para vender armas pela África, por vários países, evidentemente ilegalmente. Toda vez que o secretário dele se aproximava e dizia que estava tendo uma revolução na África ou algo parecido, ele soltava a seguinte frase: “enquanto houver guerra, há esperança”, que vem a ser o título original do filme em italiano.
CC: E como funciona esse mercado ilegal internacional de armas?
WM: O comércio ilegal de armas movimenta 290 bilhões de dólares todos os anos e 35% dessas movimentações são feitas por uma criminalidade organizada. Para se ter ideia, a Convenção de Palermo de 2000 foi a primeira sobre crime organizado sem fronteiras da ONU. Houve um protocolo sobre armas e munições, mas não houve quorum para sua aprovação. Os lobbies fizeram com que os países interessados caíssem fora porque não querem nenhum controle sobre as armas. Nós temos dados preocupantes, como por exemplo, o Iraque, que de 1965 a 90 comprou 93 bilhões de dólares em armas e munições. Há três blocos sólidos da indústria bélica: em primeiro lugar os EUA e a Rússia, em segundo França, Grã-Bretanha e China e em terceiro Brasil, Argentina, Áustria, Suíça e Itália.
CC: Qual é o ponto mais sensível do tráfico de armas?
WM: A ONU estabeleceu por convenção a necessidade de toda exportação ser condicionada a expedição de um certificado de destinação final. Imagine se do Brasil sai um barco com armas e munições com destino final a Angola. Digamos que seja um navio de bandeira eslovena, só que ao invés de Angola vai parar em outro lugar. Quem controla esse certificado? Ninguém.
CC: Nem a Interpol?
WM: A Interpol é uma piada, assim como a Europol. Não há uma autoridade brasileira que consulte Angola para ver se o carregamento chegou lá.
CC: Isso dentro do comércio legal de armas, sem considerar os barcos que nem sabemos que vão transportando armamento ilegal.
WM: A ONU criou esse certificado e apenas a criminalidade organizada o aproveita. O certificado é uma porta aberta à exportação. Essa proposta que se está estudando nos EUA de armar os rebeldes líbios, já aconteceu na guerra entre o Irã e o Iraque por meio do então maior traficante de armas do mundo. A própria CIA usou um traficante internacional de armas para, por baixo do pano, jogar armas para o Iraque, que a época era aliado.
CC: Talvez isso já esteja acontecendo, mas ainda não sabemos disso.
WM: O mercado das armas já aponta para isso. O Paraguai é o grande depósito ilegal de armas a fim de traficá-las. Antes da Primavera Árabe, podia-se comprar facilmente uma AK-47, a Kalashnikov. Vê se consegue agora? Não consegue mais porque os rebeldes da Líbia sabem usar esse tipo de arma. Já há uma mudança no mercado. Isso mostra que o Paraguai é apenas um entreposto para o tráfico. No Brasil, que está no terceiro bloco exportador de armas, e a correta chave de leitura é “exportador de violência”, tem também um mercado informal de armas muito forte. Armas que são fabricadas aqui, vão para o Paraguai e depois voltam de maneira ilegal. É um bumerangue.
CC: E as munições? O Brasil fabrica munições até para as armas que a sua própria indústria não produz.
WM: Esse é o grande problema. Se tiver dificuldade de reposição de munição não vai ter o objetivo do crime organizado que é o enfrentamento. Todas essas munições brasileiras são exportadas com o certificado de destinação final e a polícia brasileira não se importa em investigar. É uma grande farsa internacional.
CC: Quanta a origem do armamento dos criminosos brasileiros, é melhor acreditarmos na pesquisa da ONG Viva Rio que diz que a maioria das armas ilegais são de produção nacional ou da RCI First Security and Intelligente Advising, empresa de Segurança Privada sediada em Nova York, especializada em análise e gestão de risco, que diz exatamente o contrário?
WM: Esse tipo de debate mostra outra falha. Qual a origem das armas e munições apreendidas pela polícia de acordo com o banco de dados brasileiro? Não há esta estatística. Se tivesse um centro especializado em estatísticas e uma política mínima de segurança pública, haveria com facilidade um número com base nas apreensões. Mas não há, essas pesquisas são todas bobagens. Não há confiabilidade nessas estatísticas de organizações não-governamentais e de empresas privadas de segurança.
CC: Mas, de qualquer forma, é importante levar em conta essas estatísticas, como a da Viva Rio, que são reconhecidas pelo Ministério da Justiça.
WM: Vejamos o caso Castelinho (quando 12 criminosos foram massacrados por 100 policiais na rodovia Castello Branco, no interior de SP, em 2003). As armas que os membros do crime organizado tinham e que iam enfrentar a polícia, antes, estavam em depósito judicial. Alguém fez carga das armas, todas quebradas e arrebentadas, e entregou para os criminosos. Aquilo tudo foi orquestrado. Como se descobriu isso? As munições que eles utilizavam eram da polícia. Veja, essas discussões não geram nada. O que interessa é que o crime organizado tem armas e consegue as armas que quiser. Haja vista o fato de haver vários organizações do Paraguai que fazem entrega a domicílio aqui no Brasil. Uma vez que o Estado tem o monopólio da repressão policial, apenas se pode considerar os dados do Estado. No Rio de Janeiro, proteção à testemunha é feito por ONG, o que deveria ser dever do Estado defender a vida da testemunha. Está na lei brasileira de 1999 que é feita por ONG. O Brasil erra nesses pontos mais importantes.
CC: Então não podemos falar da questão das armas sem considerar uma nova política de segurança pública?
WM: E de política criminal, não apenas de segurança pública. E vem num contesto mundial de armas, que está inserido num mercado problemático. O Brasil tem uma Secretaria Nacional Pública que deveria ter o cuidado de fazer esse tipo de considerações e avaliações. O Brasil deveria lutar internacionalmente pela fiscalização desse registro de destinação final, essa é a grande porta aberta.
CC: O que você acha da hipótese de que quanto mais armas em circulação, menos crimes?
WM: Essa é a ideia americana, que está absolutamente equivocada. Arma é sinônimo de violência. Para se ter ideia da fragilidade da política brasileira nesse sentido, nós já vimos o secretário de segurança pública de São Paulo, no governo Paulo Maluf, recomendar a população, em função da fragilidade da polícia, que se armasse.
CC: Você acha que a fiscalização do transporte e do comércio de armas deve continuar nas mãos do Exército?
WM: No Brasil, nós temos que pensar o seguinte: funciona ou não? O problema não é se está na mão do Exército ou não, o problema é que não funciona. O Brasil mete o foco num assunto, mas não percebe que está tudo relacionado: armas, drogas… é tudo crime organizado. Mais do que isso, é uma geopolítica de nações. Fala-se quem armou os revoltosos líbios foram os franceses por meio de traficantes. O mundo tem que consumir as armas que fabrica e nós não apenas fazemos parte desta geopolítica, mas como somos um dos protagonistas.
Na entrevista à CartaCapital, o jurista traça um panorama sobre o tráfico internacional de armas, a política de segurança pública e criminal nativa e a ineficiência do controle do comércio de armas local.
CartaCapital: Como você vê a questão das armas no Brasil e no mundo?
Walter Maierovitch: A primeira imagem que me vêm quando falamos sobre a questão das armas, é um filme em que o saudoso Alberto Sordi fazia o papel de traficante de armas. Esse filme é de 1974. Ele saia para vender armas pela África, por vários países, evidentemente ilegalmente. Toda vez que o secretário dele se aproximava e dizia que estava tendo uma revolução na África ou algo parecido, ele soltava a seguinte frase: “enquanto houver guerra, há esperança”, que vem a ser o título original do filme em italiano.
CC: E como funciona esse mercado ilegal internacional de armas?
WM: O comércio ilegal de armas movimenta 290 bilhões de dólares todos os anos e 35% dessas movimentações são feitas por uma criminalidade organizada. Para se ter ideia, a Convenção de Palermo de 2000 foi a primeira sobre crime organizado sem fronteiras da ONU. Houve um protocolo sobre armas e munições, mas não houve quorum para sua aprovação. Os lobbies fizeram com que os países interessados caíssem fora porque não querem nenhum controle sobre as armas. Nós temos dados preocupantes, como por exemplo, o Iraque, que de 1965 a 90 comprou 93 bilhões de dólares em armas e munições. Há três blocos sólidos da indústria bélica: em primeiro lugar os EUA e a Rússia, em segundo França, Grã-Bretanha e China e em terceiro Brasil, Argentina, Áustria, Suíça e Itália.
CC: Qual é o ponto mais sensível do tráfico de armas?
WM: A ONU estabeleceu por convenção a necessidade de toda exportação ser condicionada a expedição de um certificado de destinação final. Imagine se do Brasil sai um barco com armas e munições com destino final a Angola. Digamos que seja um navio de bandeira eslovena, só que ao invés de Angola vai parar em outro lugar. Quem controla esse certificado? Ninguém.
CC: Nem a Interpol?
WM: A Interpol é uma piada, assim como a Europol. Não há uma autoridade brasileira que consulte Angola para ver se o carregamento chegou lá.
CC: Isso dentro do comércio legal de armas, sem considerar os barcos que nem sabemos que vão transportando armamento ilegal.
WM: A ONU criou esse certificado e apenas a criminalidade organizada o aproveita. O certificado é uma porta aberta à exportação. Essa proposta que se está estudando nos EUA de armar os rebeldes líbios, já aconteceu na guerra entre o Irã e o Iraque por meio do então maior traficante de armas do mundo. A própria CIA usou um traficante internacional de armas para, por baixo do pano, jogar armas para o Iraque, que a época era aliado.
CC: Talvez isso já esteja acontecendo, mas ainda não sabemos disso.
WM: O mercado das armas já aponta para isso. O Paraguai é o grande depósito ilegal de armas a fim de traficá-las. Antes da Primavera Árabe, podia-se comprar facilmente uma AK-47, a Kalashnikov. Vê se consegue agora? Não consegue mais porque os rebeldes da Líbia sabem usar esse tipo de arma. Já há uma mudança no mercado. Isso mostra que o Paraguai é apenas um entreposto para o tráfico. No Brasil, que está no terceiro bloco exportador de armas, e a correta chave de leitura é “exportador de violência”, tem também um mercado informal de armas muito forte. Armas que são fabricadas aqui, vão para o Paraguai e depois voltam de maneira ilegal. É um bumerangue.
CC: E as munições? O Brasil fabrica munições até para as armas que a sua própria indústria não produz.
WM: Esse é o grande problema. Se tiver dificuldade de reposição de munição não vai ter o objetivo do crime organizado que é o enfrentamento. Todas essas munições brasileiras são exportadas com o certificado de destinação final e a polícia brasileira não se importa em investigar. É uma grande farsa internacional.
CC: Quanta a origem do armamento dos criminosos brasileiros, é melhor acreditarmos na pesquisa da ONG Viva Rio que diz que a maioria das armas ilegais são de produção nacional ou da RCI First Security and Intelligente Advising, empresa de Segurança Privada sediada em Nova York, especializada em análise e gestão de risco, que diz exatamente o contrário?
WM: Esse tipo de debate mostra outra falha. Qual a origem das armas e munições apreendidas pela polícia de acordo com o banco de dados brasileiro? Não há esta estatística. Se tivesse um centro especializado em estatísticas e uma política mínima de segurança pública, haveria com facilidade um número com base nas apreensões. Mas não há, essas pesquisas são todas bobagens. Não há confiabilidade nessas estatísticas de organizações não-governamentais e de empresas privadas de segurança.
CC: Mas, de qualquer forma, é importante levar em conta essas estatísticas, como a da Viva Rio, que são reconhecidas pelo Ministério da Justiça.
WM: Vejamos o caso Castelinho (quando 12 criminosos foram massacrados por 100 policiais na rodovia Castello Branco, no interior de SP, em 2003). As armas que os membros do crime organizado tinham e que iam enfrentar a polícia, antes, estavam em depósito judicial. Alguém fez carga das armas, todas quebradas e arrebentadas, e entregou para os criminosos. Aquilo tudo foi orquestrado. Como se descobriu isso? As munições que eles utilizavam eram da polícia. Veja, essas discussões não geram nada. O que interessa é que o crime organizado tem armas e consegue as armas que quiser. Haja vista o fato de haver vários organizações do Paraguai que fazem entrega a domicílio aqui no Brasil. Uma vez que o Estado tem o monopólio da repressão policial, apenas se pode considerar os dados do Estado. No Rio de Janeiro, proteção à testemunha é feito por ONG, o que deveria ser dever do Estado defender a vida da testemunha. Está na lei brasileira de 1999 que é feita por ONG. O Brasil erra nesses pontos mais importantes.
CC: Então não podemos falar da questão das armas sem considerar uma nova política de segurança pública?
WM: E de política criminal, não apenas de segurança pública. E vem num contesto mundial de armas, que está inserido num mercado problemático. O Brasil tem uma Secretaria Nacional Pública que deveria ter o cuidado de fazer esse tipo de considerações e avaliações. O Brasil deveria lutar internacionalmente pela fiscalização desse registro de destinação final, essa é a grande porta aberta.
CC: O que você acha da hipótese de que quanto mais armas em circulação, menos crimes?
WM: Essa é a ideia americana, que está absolutamente equivocada. Arma é sinônimo de violência. Para se ter ideia da fragilidade da política brasileira nesse sentido, nós já vimos o secretário de segurança pública de São Paulo, no governo Paulo Maluf, recomendar a população, em função da fragilidade da polícia, que se armasse.
CC: Você acha que a fiscalização do transporte e do comércio de armas deve continuar nas mãos do Exército?
WM: No Brasil, nós temos que pensar o seguinte: funciona ou não? O problema não é se está na mão do Exército ou não, o problema é que não funciona. O Brasil mete o foco num assunto, mas não percebe que está tudo relacionado: armas, drogas… é tudo crime organizado. Mais do que isso, é uma geopolítica de nações. Fala-se quem armou os revoltosos líbios foram os franceses por meio de traficantes. O mundo tem que consumir as armas que fabrica e nós não apenas fazemos parte desta geopolítica, mas como somos um dos protagonistas.
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